Especialistas apontam as vantagens de envolver os filhos na preparação de alimentos durante a quarentena, quando há mais disposição para testar receitas e necessidade de distrair os mais novos.
Foto: Daria Obymaha/Pexels
Envolvimento das crianças no preparo das refeições resulta na aquisição de hábitos alimentares mais saudáveis
Com o isolamento social recomendado para conter a disseminação do novo coronavírus, muita gente se voltou para a cozinha. Com mais tempo em casa, pessoas passaram a cozinhar mais, a fazer pão, a testar novas receitas.
Outro aspecto da rotina das famílias na pandemia é a presença das crianças em casa em tempo integral. Com filhos, sobrinhos, netos e enteados longe da escola, os adultos se veem às voltas para atender aos desafios educacionais da atual circunstância e para minimizar os prejuízos no desenvolvimento infantil – sem falar, claro, na necessidade de criar estratégias para entretê-los dentro de casa.
É aí que os dois fenômenos da vida em quarentena podem se encontrar. Aproximar as crianças da culinária nesse período tem sido a indicação de chefs, professores de culinária e nutricionistas para mantê-los ocupados em uma atividade que une diversão e aprendizado.
Além disso, esse envolvimento pode deixar um legado positivo para a relação das crianças com a comida.
Em entrevista à revista Gama em junho, a socióloga e professora da Universidade Federal de Santa Catarina Julia Guivant afirmou que a atual tendência de retorno à cozinha favorece uma alimentação mais saudável, com presença maior de alimentos in natura – aqueles retirados da natureza, que não são processados. Segundo ela, isso pode criar novos hábitos nas crianças e influenciar o futuro da alimentação.
Autonomia e saúde
Há anos a chef e apresentadora Rita Lobo vem dizendo que todo mundo deveria saber cozinhar, que esta habilidade favorece a autonomia e possibilita escolhas mais saudáveis.
A cruzada de Lobo e de outros profissionais da culinária para reaproximar a população do preparo daquilo que se come tem a ver com um processo que, desde pelo menos o final do século 20, tem feito muitas pessoas trocarem a comida caseira por refeições prontas, no geral menos saudáveis.
Especialistas sabem que muito da formação dos hábitos alimentares ocorre na infância. Trata-se, portanto, de um momento privilegiado para desenvolver hábitos alimentares. A familiaridade e o interesse pelo preparo dos alimentos é uma ferramenta que pode auxiliar na consolidação de hábitos saudáveis.
“Quanto maior o envolvimento no preparo das refeições, mais fácil é educar sobre alimentação. Até porque a participação da criança nesse processo aumenta a chance de ela experimentar o resultado final. Posso observar na prática o efeito positivo que essa inclusão tem no entusiasmo das crianças por ingredientes que favorecem a saúde”, afirma Antonia Demas, antropóloga, nutricionista e professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, em uma reportagem da revista Saúde.
Mas as lições que a prática na cozinha podem ensinar às crianças vão além da própria alimentação: algumas delas são criatividade, paciência, trabalhar em grupo, lidar com expectativas e com a frustração e também conhecer a sensação de recompensa de realizar algo, ainda que exija esforço.
Ludicidade
As atividades envolvidas no preparo das refeições têm um aspecto lúdico que capta a curiosidade das crianças. A experimentação e a descoberta do cheiro, do gosto e das texturas dos ingredientes são parte dessa brincadeira e ampliam o paladar.
Incluí-los no preparo das refeições também é uma oportunidade para introduzir a conversa sobre a origem dos alimentos – o que pode favorecer a preferência por alimentos mais saudáveis.
Algumas dicas para começar
Desde que haja supervisão e que sejam escolhidas receitas adequadas, crianças de qualquer idade podem começar a participar das tarefas na cozinha.
Ao Paladar, caderno de comida do jornal O Estado de S. Paulo, Betty Kövesi, que dá aulas para crianças na Escola Wilma Kövesi de Cozinha, disse que a questão é adaptar as tarefas à faixa etária. Ela sugere que os menores, entre um e dois anos de idade, podem por exemplo modelar uma massa, enquanto os que já têm um pouco mais de idade podem misturar ingredientes e assim por diante.
Para a nutricionista e antropóloga americana Antonia Demas, a culinária deve ser introduzida assim que surgir a curiosidade sobre o que se está comendo. Ela também diz que as tarefas devem evoluir conforme a idade, seguindo algumas regras para evitar acidentes e reforçando o caráter lúdico da atividade, para mostrar que cozinhar pode ser divertido e prazeroso.
Também se pode começar com pequenas colaborações, como pegar um ingrediente no armário ou na geladeira, fazendo-os se sentir incluídos e ganhar aos poucos intimidade com a cozinha. Dar autonomia na montagem do prato também pode instigar o interesse pela alimentação.
Quanto às receitas, muitas listas voltadas para o preparo com a participação têm surgido (algumas delas cheias de guloseimas, o que pode não ser a melhor estratégia).
No início de julho, a Universidade Federal da Paraíba lançou o e-book “Gastronomia divertida”, elaborado por professores e estudantes dos cursos de Gastronomia e de Nutrição em parceria com nutricionistas especialistas na área de nutrição infantil. O livro está disponível para download gratuito.
Ele contém receitas saudáveis e divertidas, próprias para ser executadas com as crianças, além de jogos voltados ao aprendizado de conceitos importantes para a educação alimentar. As receitas e brincadeiras foram testadas em projetos de extensão da universidade voltados à educação nutricional de estudantes, em escolas e creches de municípios da Paraíba.
Para a reportagem do Paladar, Kövesi sugeriu o nhoque de batata, por se tratar de uma receita em que sobressai a transformação do ingrediente e por ter etapas que podem ser encaradas como brincadeira, como moldar os nhoques e vê-los subir na água quando cozidos.
O Panelinha, site da chef Rita Lobo, já elencou algumas atividades próprias para os pequenos na cozinha, como descascar ovos, debulhar ervas e desfiar frango, indicando boas receitas que as incluem.
A montagem de saladas, sanduíches e bruschettas também pode ser uma porta de entrada simples, divertida e segura.
Fonte: NEXO